12 maio, 2008

Voilette


Quando pequena ,bem pequena mesmo

Eu me fantasiava com suas lindas roupas e ficava pimpona andando pela casa.Ela reclamava que eu batia os saltos dos sapatos nas escadas e forçava-os, podendo vir a estragá-los, mas sorria ao me ver toda coquete (era esse o temo que ela usava).Mamãe era chique, tinha desde luvas até pequenas bolsinhas que combinavam com seu lindos e elegantes chapéus.

Recomendava cuidado, mas deixava. Eram as suas lembranças de um tempo que, creio, foi o que mais viveu a liberdade de ser o que era... Mulher avançada, diante de seu tempo, resolveu morar só quando ficou órfã, mesmo que isso resultasse em ser mal falada.Viajava, tinha um namorado que a levava ao aeroporto ou à rodoviária, e um que a esperava.Entre essas roupas que eram meu guarda-roupa de atuar, havia tal chapeuzinho desses que tem um tule, o que me remetia a certo mistério.Ela se animava toda e escrevia cenas mirabolantes, era ela a roteirista e ajudante nas brincadeiras.O tal chapéu (adoro chapéus, pena não usarem mais) tinha um pequeno broche que segurava o veuzinho. Quando eu o colocava, ela sorria e dizia: - Quando crescer isso não se usará mais, o que é uma pena, pois você fica linda com ele. E lá ia eu, vestida de mil personagens, encenar os sonhos dela que, de certa forma, viraram os meus.

Anos depois, na pré-adolescência, eu já bem moleca e ovelhinha negra (branquela e sardenta) da família, resolvi que deveria ter meu próprio dinheiro. Tomando como base um vizinho que criava canários e era remunerado por isso, resolvi criar pombos.Eu, com uns oito anos, achava que poderia também ter meu próprio negócio... rsrs.Durante três dias, os cacei com afinco e os mantive no quarto que tínhamos em cima da edícula.Quando fui descoberta, lógico que, além de ter que limpar TODO o tal salão com a supervisão de nossa arrumadeira, fiquei de castigo; mas meu PIOR castigo foi ver que as maledetas que NINGUÉM quis comprar tinham usado o chapeuzinho como ninho!

Na época, já não havia mais as tais peças de teatro, mas lamentei por anos não ter guardado o chapéu.

Anos depois, vi minha mãe contando a uma amiga a cena dos pombos, e dizendo do orgulho dela em ver-me querer a independência. Mas comovida mesmo fiquei ao ouvi-la dizer que, por meio de mim, pôde encenar mil aventuras que não tivera coragem ou oportunidade de viver, por meio das peças de teatro que encenávamos.

Creio que aprendi com ela a ser sonhadora e otimista.Aprendi também que não se pode deixar de viver sonhos, está em nós os fazermos possíveis.

Nesse ultimo dia das mães...
Numa manhã que começou com um café na Cultura, em meio a livros e observação de quanto de cultura e elegância meus filhos têm e, mais tarde, junto ao restante da família, senti a presença dela, sorrindo, constatando o quanto de frutos ela deixou.

Deixou a mim e aos meus a percepção de que é preciso viver em plenitude.

(Hoje a saudades se faz com recordações desse tipo,foram momentos como esses que formaram o "cimento" que me construiu)

Para minha mãe...


Denise

3 comentários:

Maria disse...

Lembranças de momentos como esses nos marcam e moldam para a vida inteira... são pequenos detalhes transformados em grandes referências que nos acompanham e embalam nos momentos em que tudo o mais parece desabar. Deles nos fortalecemos, cimentamos, sim, e construímos as belas pessoas que deixamos o mundo contemplar. Você é uma dessas belas, belíssimas pessoas, querida!!!

Anônimo disse...

Linda homenagem, ela com certeza tem orgulho da cria e da mulher em que se transformou.
Lembranças eternas que fazem parte de toda nossa vida, acalentando um pouco a saudade de pessoas tão queridas e amadas, ate o dia do reencontro.

lia disse...

Licia muito bom reconhecer de onde veio este ser humano especial que és.
Parabéns por se permitir compartilhar sentimentos e emoções, isso com certeza torna o mundo melhor!
Beijos