17 fevereiro, 2008

Nunca mais (Miguel Falabella)

Hoje estou desatando da memória as imagens de amor.

As minhas, as nossas imagens de amor, porque as coisas são como são: no
momento em que escrevo e no momento em que você lê, abrimos esses arquivos de
imagens geradas a partir do amor, que são - vamos admiti-lo antes que seja
tarde, - os nossos arquivos prediletos. Tudo o que realmente nos interessa está
arquivado ali.

Na câmara escura das nossas recordações.

Imagens que vamos recolhendo vida afora.

Elas têm nome e uma história para contar, cada uma delas.
E nostalgia.
Nada mais é do que a saudade da emoção vivida, num determinado momento que
passou veloz. Emoções e emoções e ainda tanta emoção a ser vivida!
Muito além dos indivíduos, além das particularidades. E todas essas
químicas se processando no nosso corpo, pois há quem diga que amor nada mais é
do que uma sensação provocada, para evitar a loucura da espécie e perpetuar o
predador.
Uma ilusão passageira, uma descarga de substâncias certas no
sistema.
Lubrificação. Cuidados com a máquina. Seja lá o que for, andei tomando
resoluções práticas para a existência. Porque nunca mais nesta vida quero ter
saudade de beijo. Nunca mais a nostalgia daquele mundo de línguas dançando balé
no céu das nossas bocas.
Nunca mais!
E juro que nunca mais nesta vida quero tentar entender o amor.
Quero deixar que ele passe por mim, como um pé de vento que sopra folhas e
poeira num arranjo aprumado.
Eu fico ali, no meio do redemoinho, só achando tudo muito bom.
Depois, o amor se vai e a gente continua a tocar a existência. Assim é que
deve ser.
Nunca mais nesta vida quero gente se indo. Já está de bom tamanho.
Coração da gente vai absorvendo os golpes: que são muitos e de todos os
lados, sempre. Com quase todo mundo é assim. De repente, as pessoas começam a ir
embora, por morte matada e morrida, por desamor, por tristeza, por ansiedade,
por medos diversos, seu coração vai recebendo as pancadas e uma hora dá vontade
de dar um berro, sair vomitando as mágoas todas que a gente foi engolindo.
Nunca mais gente partindo sem motivo aparente, sem dar nome aos bois ou uma
denúncia vazia. Nesta vida, nunca mais!
E nunca mais, nesta breve passagem, a palavra não dita, o gesto parado no
ar, dissolvido antes do afago. Nunca mais a dose nossa de orgulho besta, a
solidão das noites perdidas por amor desenganado, o coração parado, à espreita.
Isso, não.
Quanto mais o tempo passa, mais a urgência da felicidade ilusória e da
química do bem-estar, essas coisas todas que se operam em nossos íntimos.
Nunca mais.
Nunca mais um dia atirado ao nada, nunca mais o verbo que não se completa,
todas as palavras que não foram ditas - verdades -, todas elas, uma após a
outra, formando frases, pensamentos, sentimentos, amor costurando o texto, que é
linha que não refuga de jeito nenhum.
Nunca mais!
O coração se magoando todo o dia, a gente engolindo sapos e lagartos e se
esquecendo de que é capaz de mudar cada uma das histórias, reescrever o livro
das nossas vidas.
Uma hora mais cedo e a cena teria sido outra ou o que teria acontecido se
você não tivesse ido àquele lugar, àquela noite, quando o universo conspirava
contra nós, ou a nosso favor?
Quem é que vai nos explicar?

Ninguém.

Ou alguém.

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